Bolos caseiros atraem com sabores da infância; veja onde comer em SP
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LUIZA FECAROTTA
da Reportagem Local
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Bolos são humanos, são como faces, dizia o filósofo francês Jean-Paul Sartre. Bolos espanhóis têm "aparência presunçosa" e desmancham em pó debaixo do dente; gregos são gordurosos e "moles como creme de barbear"; bolos italianos têm uma "perfeição cruel", "você tem vontade de colocá-los no aparador como pedaços de porcelana pintada".
Letícia Moreira/Folha Imagem | ||
Coleção de batedeiras antigas, da boleira proprietária do café Les Delices de Maya |
Bolos, em geral, estão ligados à memória afetiva, à infância. Na cultura caipira, donas de casa preparavam bolos porque eram "uma espécie de cartão de visita da família, um mecanismo de sociabilidade", diz o professor de história da gastronomia do Senac, Sandro Dias.
Donas de casa também aparecem nos relatos de Gilberto Freyre, em "Açúcar", como responsáveis pela criação da doçaria brasileira, ao lado de "negras de cozinha" e "pretos doceiros", todos envolvidos no sério ritual de preparar quitutes açucarados nas casas-grandes.
Receitas batizadas com nomes de famílias e engenhos passavam apenas de mãe para filha. Nos registros de Freyre, consta que houve no Brasil uma maçonaria das mulheres especializada "em guardar segredo das receitas de doces e bolos".
Editoria de Arte/Folha Imagem | |
"Casa com bolo é outra coisa. Aquele cheiro é contagiante", diz Heloísa Bacellar, do Lá da Venda, que acabou de mandar para a gráfica seu quarto livro, "Chocolate Todo Dia", no qual dedica um capítulo suculento ao tema "bolo", um de seus maiores prazeres. "Poucas coisas me deixam tão feliz quanto ir para a cozinha pensando num bolo", escreve.
"Outro dia me perguntaram: 'Você tem bolo de quê?' e eu disse: 'limão, laranja e bolo de nada'. É aquele branco, bem simples, com um tiquinho de baunilha, polvilhado no máximo com açúcar e canela. É um sabor que todo mundo lembra e é isso que as pessoas buscam."
Segundo conta a boleira, esse tipo de doce nasceu como bolachas, meio duras e secas, feitas com farinha, ovo, mel e especiarias. "Foram incrementadas até ganharem mais leveza e chegarem ao que são hoje." Nas receitas europeias mais antigas, usava-se muito mel. "Açúcar era artigo de luxo, se popularizou há pouco tempo."
Boleiras de mão cheia
Monteiro Lobato não dispensava goiabada cascão, sagu com vinho tinto, doce de leite talhado, casca de laranja cristalizada, banana frita e... bolo de fubá, como contam os escritos registrados no livro "À Mesa com Monteiro Lobato".
Criador da personagem Tia Nastácia, que preparava gostosuras irresistíveis no fogão e dizia que "a questão está no jeitinho de fazer", o escritor transcreveu, certa vez, algumas receitas do caderno de sua mulher, dona Purezinha.
Letícia Moreira/Folha Imagem | ||
Bolos de pão de ló e iogurte com passas, do Cafezal, no CCBB, centro de São Paulo |
Boleiras fazem o mesmo: costumam ter seus cadernos de receitas, escritos a mão, guardados para a eternidade. Marília Faria, dona da marca de café Madame D'Orvilliers, recuperou um, com folhas já amareladas, que sua tia fez com as receitas da avó mineira.
Foi de lá que tirou os preparos de maior sucesso do seu Casarão do Café: bolo de massa simples, com pedaços de banana ou maçã, e bolo de milho, "como uma broa".
Editoria de Arte/Folha Imagem |
Outra apaixonada por bolos é a barista Alda Barroso, da Boutique do Café (BH). "Não consigo nem entender. Parece que já fui bolo, acho uma alquimia fantástica", diz Alda, que passou a infância no interior de Minas Gerais, coleciona receitas e já jogou muito bolo fora.
Maya Midori, que prefere bolos gostosos a bolos bonitos, não se contenta com as receitas. Aproveitou a paixão antiga por esse doce fofinho, que vendia para as amigas da escola e para os vizinhos na infância, para incrementar uma coleção de batedeiras antigas --algumas à mostra no seu café, Les Delices de Maya.
Aos 80 anos, dona Tita acorda todos os dias pela manhã para preparar bolos caseiros, que vão ainda frescos para o Cafezal, o café de sua filha Eliane Passerine. "Queria servir bolos que as mães fazem em casa para tomar com café da tarde." Laranja, cenoura, formigueiro, pão de ló... Numa etiqueta, a vovó escreve a mão o sabor do dia.
Bem mais antigas são as receitas do Mosteiro de São Bento. Os registros mais distantes são do preparo do bolo Santa Escolástica, de nozes e maçã, trazidos da Suíça por monges europeus, hoje à venda na sede e na loja do mosteiro, ao lado de outros quitutes irresistíveis.
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